sábado, abril 22, 2017

Onde começa o inferno

Foi de uma frase de Howard Hawks que Peter Bogdanovich pinçou o título de seu livro "Afinal, quem faz os filmes" (Who the devil made it).

A frase, na tradução de Henrique Leão, é a seguinte:

[...] Eu gostava de quase todo mundo que me fazia perceber quem diabos estava fazendo o filme [...] Porque o diretor é quem conta a história, e deve ter o seu próprio método de contá-la.

Onde começa o inferno (Rio Bravo, 1959) é um emblemático exemplo da filmografia desse diretor que acreditava que o cinema não era uma arte, e sim um negócio, um divertimento.


E fica evidente que ele se divertiu muito fazendo Rio Bravo, um filme que, como a maioria de seus filmes, girava "em torno de personagens, e não de situações". Bogdanovich perguntou isso a Hawks, que respondeu: "Seguir uma trama não é muito complicado; mas, quando não se tem um enredo, já não é tão fácil contar uma história".


Onde começa o inferno revela essa marca registrada de Hawks. Um western em que a conversa é mais importante que os tiroteios. Não há uma trama intricada, um roteiro repleto de reviravoltas e sacadas geniais. Há a construção das personagens, os diálogos bem urdidos. Há a forte relação de amizade entre um xerife e seu ajudante, que se transformou num beberrão após uma desilusão amorosa. Há a paixão inevitável entre uma jovem procurada pela justiça e o xerife. Há a carismática presença de outro ajudante, manco, que conhece o xerife como ninguém, e em quem o xerife sabe que pode confiar. Há, também, o alívio cômico, na pele do atrapalhado dono do hotel.

Para se ter uma ideia de quanto Hawks segue à risca sua cartilha de considerar o cinema uma diversão: ele aproveitou a presença de dois cantores no elenco e deu a eles um número musical, numa cena que caiu como uma luva no contexto do filme. Os quatro, mesmo preocupados com a situação em que precisam manter sob custódia um preso na delegacia daquela remota cidadezinha texana, precisam de um momento de distração, de alegria, que a música lhes traz.


Falando em música, a canção entoada por Dean Martin (que teve de alugar um avião para comparecer à reunião marcada por Hawks e, assim, ganhar o papel de Dude, o ajudante bêbado) nesta cena é de Dimitri Tiomkin, como também é a trilha do filme. O mesmo compositor, aliás, premiado pela canção de outro faroeste, Matar ou morrer (High Noon, 1952). Que, por sinal, foi a inspiração para Rio Bravo, conforme Hawks, que havia se aborrecido com a falta de ajuda oferecida ao protagonista do filme de Fred Zinnemann. Em Rio Bravo, acontecem situações mais naturais, não apenas a recusa para salvar a pele. Numa delas, a mocinha se oferece para ajudar o xerife, que se recusa a aceitar, por vaidade, orgulho, ou medo de envolvê-la.

Feathers, a moça que se apaixona pelo xerife, é vivida por Angie Dickinson. Completam o elenco: o cantor Ricky Nelson, na pele do jovem e decidido Colorado; o camaleônico e triplamente oscarizado Walter Brennan como Stumpy, o engraçado ajudante coxo; e, por último, mas não menos importante, ele, o xerife John T. Chance, mais um personagem marcante neste verdadeiro sinônimo de faroeste clássico: John Wayne.



Em tempo: falando em John, o diretor John Carpenter, fã incondicional de Hawks e de Rio Bravo, acabou realizando dois filmes inspirados no clássico de Howard Hawks: Assalto à 13ª DP (1976) e Fantasmas de Marte (2001).

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