quarta-feira, outubro 19, 2016

Kóblic


argentino Sebastián Borensztein (Um conto chinês) realiza um filme com ingredientes que lembram faroestes clássicos da estirpe de Matar ou morrer (High Noon) e Sem lei e sem alma (Gunfight at the O.K. Corral). O paralelo com os western da década de 1950 se justifica, não apenas porque Ricardo Darín é um ator à altura de Gary Cooper e Burt Lancaster (embora, no entanto, Borensztein ainda precise fazer muitos filmes para ter uma filmografia tão ampla quanto Fred Zinnemann e John Sturges, mas ele ainda é novo), mas também por outras similaridades entre os roteiros.

Em Matar ou morrer, a câmera filma incessantemente a via férrea, por onde o xerife, interpretado por Gary Cooper, sabe que um vilão e seu bando estão prestes a chegar. Em Kóblic, o espectador passa o tempo inteiro com uma sensação pesada, de que algo está para se revelar, de que alguém ou algo está no encalço do protagonista. 

Tomas Kóblic é um piloto que vai morar na remota Colônia Elena, uma cidadezinha como outra qualquer, onde mora um amigo, dono de uma empresa de "agroaplicaciones", ou seja, pulverizações agrícolas. O espectador não sabe exatamente o motivo dessa mudança, e isso faz parte da estratégia do roteiro, para criar uma aura de mistério em relação ao personagem, constantemente atormentado por lembranças entrecortadas de um voo em que acontecem fatos atrozes.

Kóblic tenta se adaptar à rotina, pulverizando as lavouras, ao melhor estilo de um Dusty Crophopper.

As cenas desta parte do filme são plasticamente calculadas, com a paisagem dos pampas se sobressaindo, entre lavouras de canola florescida e pastagens nativas.

Uma cena chave do filme é a pane do avião. Não vou entrar em detalhes, para não gerar um spoiler desnecessário. Mas o fato é que o avião estraga e fica estragado, sem que ninguém busque peças ou tente consertar a aeronave a tempo de continuar as aplicações. 

Isso vem a calhar, pois Kóblic tem mais tempo para dedicar à misteriosa Nancy (Inma Cuesta), que cuida do posto de combustíveis. Só que a bela balzaquiana é comprometida.

Devagarinho, paulatinamente, o suspense e a tensão do filme são construídos, com as personagens sendo apresentadas de modo quase didático. O delegado Velarde (o impressionante Oscar Martínez), chefe do Destacamento Policial, é uma figura temida no vilarejo. Ele procura mostrar sua autoridade e não gosta de forasteiros. 

O antagonismo entre Kóblic e Velarde é um dos leit-motifs do filme, assim como o esperado duelo entre Wyatt Earp e os irmãos Clanton é a razão de ser de Sem lei e sem alma

Velarde usa de seu poder para tentar descobrir a identidade verdadeira do novo piloto, e seu amigo, o dono do posto, lhe confessa: está desconfiado sobre a fidelidade da esposa.

O cenário está pronto para a escalada da violência, em meio a intrigas, torturas, voos da morte, surpresas, reviravoltas.

O cineasta Borensztein, que também coassina o roteiro, usa o estofo histórico para criar um personagem forte, ao mesmo tempo, herói e anti-herói, com um passado que lhe assombra - e um presente sem lei e sem alma, onde o que vale é matar ou morrer. 


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