sábado, fevereiro 26, 2011

127 horas

O novo filme de Danny Boyle em sua superfície mostra o drama do alpinista Aron Ralston que, numa jornada solitária pelo cânion Blue John, no deserto de San Rafael, no estado de Utah, escorrega numa fenda junto com uma rocha e tem o braço direito preso entre a rocha e a parede da fenda. No fundo, porém, 127 horas é um estudo sobre autossuficiência.
Com o perdão pelo trocadilho, Aron Ralston é uma pessoa que não dá o braço a torcer: gosta de fazer as coisas a seu modo, de se sentir livre, de realizar aventuras por sua conta e risco e sem ninguém para acompanhá-lo. Antes do acidente, ele se encontra por acaso com duas moças e se oferece para servir de guia. Mas aí ainda temos o ego autossuficiente em ação. Massageia seu ego dar uma de herói e mostrar que conhece o lugar como a palma da mão. Depois de se divertirem num lago dentro da caverna, despede-se das moças e volta a ser o Aron solitário, que acha que sempre pode resolver os problemas sozinho e detesta pedir socorro. Com o braço preso durante 127 horas e pouco suprimento de água, Aron terá tempo para reavaliar sua conduta. Mas outra característica das pessoas autossuficientes é a frieza, a qual, no caso de Aron, é extraordinária. Consegue manter o raciocínio cartesiano e matemático de engenheiro focado em manter a esperança e lutar pela sobrevivência. Dedica o tempo a tarefas práticas, como tentar escavar a rocha com um canivete para ver se consegue liberar o braço.
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É natural que Danny Boyle, que ao mostrar crianças tendo os olhos extirpados em Quem quer ser um milionário? recebeu como singelo prêmio um Oscar, tenha procurado sofisticar a sua busca por cenas chocantes. De quebra, deu uma aula de como amputar o próprio braço com um canivete made in China. Antes de mais nada faça um torniquete. Depois, usando o peso do corpo como alavanca quebre o úmero. A seguir insira o canivete sem fio na carne e vá cortando sem se importar com o sangue. Não desmaie. A esta altura dos acontecimentos, a sensibilidade à dor estará quase tão embotada quanto o fio do canivete, certo? Errado! Fazer a excisão dos nervos vai doer um bocado.
Imagino que por se basear num fato real, tornar-se-ia quase impossível vender o filme e tentar "esconder" o seu final. Mas também imagino que num mundo perfeito as pessoas não precisariam contar na "sinopse" de três linhas que o cara vai amputar o seu braço. Talvez isso seja feito para prevenir pessoas com estômago fraco. Por conta desse impasse (o fato de que todas as pessoas têm a tendência de ser barriga-fria e "contar o final"), Danny Boyle procurou realizar um filme cujo mérito estaria mais na formatação do desenvolvimento que no desfecho em si. Com a ajuda da atuação soberba de James Franco, acho que ele atingiu o ponto nevrálgico.
Aron Ralston, na vida real, teve que reeducar o corpo para usar a mão esquerda (era destro). No lugar da mão e do antebraço direitos, usa uma prótese que o ajuda em suas aventuras. E ao que tudo indica a experiência lhe deixou um pouco menos autossuficiente.

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