quinta-feira, março 29, 2018

A FORMA DA ÁGUA NÃO PASSOU NO TESTE ANTIPLÁGIO





ESTE POST CONTÉM SPOILERS 

SOBRE O TEXTO DE PAUL ZINDEL,

LET ME HEAR YOU WHISPER.




Del Toro continua negando peremptoriamente qualquer influência do trabalho de Zindel em seu roteiro dito "original". 

Também afirma peremptoriamente nunca ter lido a peça teatral Let Me Hear You Whisper.

Pois se é verdade que ele não tenha lido a peça antes de escrever o roteiro (coisa que eu particularmente não acredito), ele deveria ter a humildade suficiente para ler agora.

Pelo simples fato de que é um texto excelente.


Mais simples, porém mais honesto e contundente que o oscarizadamente confuso e "olha-só-o-quanto-eu-sou-politicamente-correto" A forma da água.

Sim, não resisti. 

Baixei a peça teatral Let Me Hear You Whisper no meu Kindle pela bagatela de R$2,53.

À medida que fui lendo as cenas, fui soltando suspiros, porque a Elisa de Del Toro é tão parecida com a Helen de Kindel.

E a relação entre o golfinho e Helen é muito, mas muuiito parecida com a relação entre Elisa e "a forma disforme".

Senão, vejamos.

Helen é uma moça calada e eficiente, e, em seu cargo de funcionária da limpeza, tem até uma técnica exclusiva para deixar os pisos mais limpos: misturar um pouco de vinagre com o detergente.

Ela é a nova faxineira do laboratório comandado pela Dra. Crocus (aliás, todas as personagens da peça são femininas, à exceção do golfinho, que aparentemente é um macho.)

Ela está sob as ordens de Miss Moray, a supervisora da limpeza de todo o prédio. Também temos Danielle, a porteira tagarela, e a Sra. Fridge, a austera ajudante da Dra. Crocus.

O golfinho não interage com mais ninguém, exceto com Helen.

Quando Helen está sozinha com o golfinho, o mamífero inclusive começa a pronunciar palavras.
Entre outras: primeiro "You", depois "Book" e, no final, "Love".

O golfinho é alimentado por Helen (fatias de presunto).

Helen cria uma profunda afeição pela cobaia de laboratório, como acontece com Elisa e a forma disforme.

Helen tem algumas alucinações e viagens, momentos em que o fantástico predomina, em que ela visualiza a Dra. Crocus falando coisas.

Esse elemento de fantasia está muito presente em A forma da água de Del Toro.

O fato de Elisa ser muda é também curioso.

A peça de Zindel (que teve uma adaptação para a tevê em 1969) gira em torno do experimento da Dra. Crocus que tenta a todo pano fazer o golfinho falar. 

O golfinho não fala na presença das cientistas, só na presença de Helen.

Por quê? - quer saber Helen.

O golfinho responde: "Booook".

Helen pergunta a Danielle sobre algum livro que envolve o experimento, e Danielle mostra o folder que explica as metas bélicas da comunicação com os golfinhos. Usar os golfinhos a favor de coisas malignas para o planeta e para outros povos.

Por isso que o golfinho recusa-se a falar, mesmo sabendo que se não falar será dissecado.

Perto do final da peça, ele pede para que Helen o salve, levando-o para o rio, depois para o mar.

Fala duas palavras:

- Hamper. 

E depois

- Sea.

Será que Helen conseguirá fazer o resgate milagroso de seu amigo golfinho?

Até nisso a peça é superior: o final é mais coerente e lógico.

Enfim, ao concluir a leitura, senti vergonha por Del Toro.

É uma vergonha uma pessoa se inspirar no trabalho de outra e simplesmente negar, fazendo alegações vagas para se defender.

Ele afirma que não leu a peça. O.k. Outros já plagiaram sem ler, também. Lendo apenas a resenha, ou resumo da peça. 

Yann Martel fez uma coisa parecida com o gaúcho Moacyr Scliar.

Martel, ao ser acusado de plágio, primeiro negou, mas depois confessou ter lido uma resenha da noveleta Max e os felinos, do brasileiro que se tornou imortal da ABL.

E digo mais: foi uma pena Scliar não ter buscado compensação financeira. Contentou-se com o reconhecimento público de Martel.

Não é suficiente. Nesse pragmático mundinho em que vivemos, money talks, bullshit walks

Quanto Martel e família lucraram com os direitos autorais do livro As aventuras de Pi e também com a venda dos direitos para a adaptação fílmica?

Será que o autor ou os descendentes do autor que teve sua obra usurpada (ou plagiada, ou escolha o nome que você preferir) não mereceriam uma porcentagem dessa grana preta?

Agora, uma palavra sobre a questão judicial Espólio Zindel x Del Toro e produtores do filme. As alegações dos litigantes podem ser analisadas na íntegra aqui.

Se o juiz deste processo tiver um pingo de sensibilidade literária e se dedicar ao prazer de ler a peça e ao sofrimento de ver o filme, terá que dar ganho de causa ao espólio de Zindel.

E digo mais: a Academia deveria retirar o Oscar de Melhor Filme e dar a estatueta ao segundo colocado da votação.

Como eu, outros cinéfilos também avaliam que, após a vitória no Oscar, Del Toro pode perder nos tribunais.

Para mim, este plágio descarado deveria ter o mesmo efeito que um "doping" tem no mundo esportivo.

Shame on you, Mr. Del Toro.

Devolva o Oscar e pague os direitos autorais. 

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O que diria Paul Zindel sobre essa controvérsia?

Será que absolveria Del Toro? Será que se contentaria com o reconhecimento de uma mera 'inspiração'? Aprovaria a reclamação judicial?


Certo é que o prolífico escritor, cuja filha também é uma talentosa escritora, jamais se aposentou e escreveu até morrer, cumprindo à risca a seguinte resposta que ele deu em uma entrevista:

Do you think you will always write?Yes! Everyone else gets to retire. Writers never retire, because their minds are constantly needing to create fictional worlds in which they can become alive. Writing is a dream; it doesn't stop until death. And even then, maybe it still goes on!


Paul Zindel




segunda-feira, março 26, 2018

O estranho que nós amamos

The Beguiled, o filme de 1971, tinha Clint Eastwood no papel do cabo ianque John McBurney, contracenando com Geraldine Page como Miss Martha, dirigidos por Don Siegel, o especialista em policiais que se tornou conhecido como diretor da franquia Dirty Harry.

The Beguiled, o filme de 2017, tem Colin Farrel no papel do cabo John e Nicole Kidman na pele de Miss Martha, sob o comando de Sofia Coppola, que conquistou o mundo com Lost in Translation.

Os dois baseiam-se no livro A Painted Devil (1966), de Thomas P. Cullinan. A articulista do Huffpost, Jennifer Queen, afirma que o "livro é muito mais feminista do que o remake de Coppola".

Não vou entrar nessa discussão, mesmo porque pode existir uma diferença entre perspectiva feminina e feminista.

Seja como for, O estranho que nós amamos (sim, este é o bizarro título nacional do primeiro e do remake) é uma espécie de A casa das sete mulheres, versão norte-americana.

Três mulheres e quatro meninas se tornam anfitriãs e salvadoras de um cabo inimigo ferido. A história se passa no Sul e o cabo é nortista. Todas as sete acabam se encantando pelo sedutor jovem (daí o termo beguile, que significa encantar, seduzir). O próprio rapaz também fica meio perdido, sem saber direito a quem direcionar o seu interesse. As três adultas entram em competição mais acirrada: Miss Martha (Nicole Kidman), Edwina (Kirsten Dunst) e Alicia (Elle Fanning). As idades delas não são mencionadas, mas calculo que sejam 50, 35 e 19. 



Como vai acabar esta história?

O que vai acontecer com esses personagens quando o ferimento do cabo John estiver curado e ele estiver prestes a ir embora?

Nesta pérola de humor negro que revela o melhor e o pior do ser humano, Sofia Coppola mostra que continua construindo uma filmografia coerente e de "grife". 



domingo, março 25, 2018

THROWING MUSES



Adolescente enviei uma carta à seção do leitor da Som Três. "Compro letras do The Cure." Incrivelmente recebi uma resposta de uma fã carioca do The Cure, e aquilo foi o começo de uma correspondência que resultou, entre outras coisas, em ser apresentado ao maravilhoso mundo dos fanzines.

Apaixonados por escrever, apaixonados por rock, jovens uniam as duas paixões em publicações underground, como o Wall of Sound e o Planet of Sound, que circulavam artesanalmente país afora.

Em uma série de posts que começa hoje, vou resgatar os textos que escrevi para esses fanzines.

Neles, os leitores deste blog conhecerão mais uma faceta minha.

O Henrique Guerra fã de rock alternativo, talvez alternativo até demais. De algumas dessas bandas vocês talvez jamais ouviram falar.

Entre no YouTube, pesquise e se delicie com essas imortais bandas do final dos 80, começo dos 90.







THROWING MUSES


No ano passado, benfazejas correntes oceânicas trouxeram à nossa costa um peixe jamais visto no meio tupiniquim. Quem tomava contato com a referida criatura ficava literalmente atônito pela expressão de paranoica          angústia  em seu olhar e, principalmente, pela incrível e contagiante energia que fluía de sua bizarra tez.


As 'correntes oceânicas’ de que   falo são o Es túdio   Eldorado  e o selo Stilleto, por lançarem a coletânea da 4AD "LONELY IS AN EYESORE" , e o  peixe é ele próprio: “FISH”, a estraçalhante faixa do THROWING MUSES, de cuja letra  foi extraído o título da coletânea.


Metáforas infames à parte, e com o lançamento deHUNKPAPA”, seu ·mais recente trabalho, virá bem a calhar uma  rápida conversa sobre  esta  brilhante banda.

Foi formada em Boston por Kristin Hersh, uma loira já mamãe, responsável pela  maioria das  composições, o peculiar vocal principal uma  das guitarras; Tanya Donelly, também loira, guitarrista, vocalista e compositora; a mulata afro-americana Leslie Langston, que    manuseia        sua bass guitar de maneira exemplar; e, por fim, David Narcizo, um algo mais que competente baterista, cuja experiência na "cozinha" vem da adolescência  quando era auxiliar numa padaria.

Estrearam em  disco em  86  e, desde então, vêm construindo uma sólida carreira, sempre calcada em um rock básico, de sonoridade simples, porém vibrante,  costurada por letras carregadas das  múltiplas neuroses da nossa época.

Seguindo o primeiro LP, homônimo, o THROWING MUSES lançou: CHAIN  CHANGED   (EP   -  1987), THE  FAT   SKIER (EP -1987), HOUSE TORNADO (1988) e HUNKPAPA (1989).

Levando o nome da divisão dos Índios Sioux   liderada por Touro Sentado,  HUNKPAPA"  tem algumas    canções dispensáveis, como "TAKE", mas que não comprometem a força do conjunto. Os  destaques  vão para  a  desconcertante "BEA", a batida cativante de "I’M ALIVE”  e a alucinada "MANIA".  Sobre  esta  última, fico a   imaginar o que  o  sábio chefe indígena          faria   ao     ouvi-la. Uma  coisa  é certa: sentado, ele não ficaria.


Henrique Guerra























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quarta-feira, março 14, 2018

Três anúncios para um crime




Martin McDonagh tem como uma de suas influências David Mamet, outro dramaturgo que se aventurou, com sucesso, a fazer a migração dos palcos às telas. Mamet é autor do livro Três usos da faca, em que preconiza a importância de textos enxutos, da poda, do processo de cortar palavras em excesso, deixando apenas o "osso". 

Em 2001, com apenas 30 anos, McDonagh já tinha uma carreira respeitada, com peças teatrais ambientadas no meio rural irlandês, incluindo O tenente de Inishmore.




A transição para o cinema aconteceu gradativamente, com o "empurrãozinho" de nada menos que um Oscar de Melhor Curta de Ficção (Six Shooter, 2004).

A partir daí lançou três longa-metragens:

Na mira do chefe (In Bruges, 2008),

Sete psicopatas e um shih tzu (Seven Psychopats, 2012) e este

Three Bilboards Outside Ebbing, Missouri (2017), o mais bem-sucedido artística e comercialmente.

Três anúncios para um crime tem essa qualidade. O texto do pupilo de Mamet é cortante, aguçado. O bom roteiro é uma base para qualquer grande atuação. Não é à toa que dois membros do elenco foram premiados pela Academia.

 O humor permeia os diálogos, as situações. A tensão é perceptível. McDonagh é o mestre do contraste. Algumas cenas alcançam um impacto intenso, como a sequência em que uma carta sobre amor é lida em meio a um inferno de violência.