sábado, março 25, 2017

Dersu Uzala


            Dersu Uzala venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1976. O espectador incauto que começar a ver esse filme, com ares de crítico, poderá pensar: "Esse filme envelheceu". Ou é da época em que o fotograma era barato. Passam-se dez minutos em uma conversa ao redor de uma fogueira. Acontece que Dersu Uzala é um filme sobre a amizade. E amizade verdadeira não se constrói assim, de um minuto para o outro. Além disso, pressa nunca foi o forte de Akira Kurosawa. Seus filmes têm um ritmo específico, uma lentidão ilusória, um estilo, enfim. O estilo é o homem, já disse Buffon. E o estilo de Kurosawa é esse, e ponto final.


           
       1902. Uma equipe russa de topografia faz levantamentos nas selvas montanhosas da Sibéria. Uma noite, aparece um caçador no acampamento. Não tinha conseguido caçar aquele dia. O capitão o convida para jantar. Seu nome: Dersu Uzala. Logo vê que aquele estranho, sem ninguém no mundo, é o homem ideal para ter como guia naquelas montanhas desconhecidas. E faz o convite.
            No dia seguinte, Dersu toma a frente do destacamento, aceitando a confiança depositada pelo capitão. E não decepciona. É especialista em achar trilhas e decifrar pegadas. Certa manhã, após o grupo pousar numa cabana abandonada, Dersu pede ao capitão fósforos, sal e arroz. Intrigado, o capitão indaga o porquê. Para dar recursos às pessoas famintas que chegarem à cabana.
            Com seus pequenos atos, Dersu conquista a admiração de todos. Sequência clássica é aquela em que o capitão e ele se afastam do grupo e se veem perdidos no gélido deserto. A noite está caindo e eles correm sérios riscos se ficarem ao relento. Dersu toma o comando e ordena ao capitão que corte a vegetação seca sem parar. A única chance de sobrevivência é construir uma espécie de cabana de palha. O capitão desmaia devido ao esforço exagerado.
          


       Esteticamente perfeito, Dersu Uzala tem a cena de sol mais vermelho da história do cinema. Nessas horas que dá raiva não estar assistindo no cinema. Mas quem não tem cão, caça com gato. E quem não tem corças, caça humanos. Um tigre se aproxima. Dersu dá um tiro para assustá-lo. Deste dia em diante, Dersu, o homem que fala com os tigres, nunca mais será o mesmo. Supersticioso, acha que o tigre irá fugir até morrer de cansaço. E que a floresta irá mandar outro tigre atrás dele.
            A visão de Dersu deteriora-se. É o triste ocaso de um caçador que depende dos olhos para continuar trabalhando. O capitão o leva para morar com a mulher e o filho na cidade. Mas Dersu não se adapta. Não vê lógica nenhuma na cidade.
            Com seus 140 minutos desafiadores, Dersu Uzala é um filme inesquecível sobre a amizade e o encontro de dois mundos diferentes.


quinta-feira, março 23, 2017

KONG: A ILHA DA CAVEIRA

Após estrear com a comédia dramática Os reis do verão, lançada no Festival de Sundance em 2013, o hirsutíssimo Jordan Vogt-Roberts agarrou com unhas e dentes a oportunidade de já no segundo filme realizar um blockbuster.

Imagino a alegria dele ao ser chamado para o trabalho. Revisitar um personagem como King Kong é revisitar a própria História do Cinema. 



Desde o filme de 1933, cujo enredo foi concebido pelo diretor Merian C. Cooper e roteirizado pelo escritor Edgar Wallace, King Kong já ganhou 3 refilmagens: 1976, 2005 e 2017.
Existe também o King Kong 2 (King Kong Lives, 1986), que não é exatamente um remake, mas sim uma “continuação” caça-níquel do filme de 1976. Uma pesquisa um pouco mais aprofundada revela que a "franquia" na verdade tem um número bem maior de filmes. Nesse contexto, é difícil não cair na tentação de se comparar os filmes, ou até mesmo, ranqueá-los.


  A versão de 1976 busca ser “fiel” à de 1933, enfatizando a relação entre o gorila e a mocinha e a sensação de injustiça ao ver o essencialmente bondoso Kong ser destruído de modo impiedoso pelos seres humanos. Gerações inteiras se comoveram com esses dois filmes.

Veio o politicamente correto século XXI e toda a sua parafernália técnica. Captura de movimentos, o poderoso 3-D real (e o bem menos poderoso 3-D convertido), salas IMAX, som Dolby surround, o fim da película, a ascensão da era digital, tudo perfeito para dar vida e verossimilhança a um personagem clássico. Mas eis que tecnologia não é tudo.


Em 2005, Peter Jackson fez sua louvável tentativa. Muita gente torceu o nariz para a espichada metragem e para a escolha do elenco, que tem Jack Black e Adrien Brody. Mas justo eu é que não deixaria de ver e admirar este filme, afinal de contas, Peter Jackson é um dos meus diretores preferidos, e, para o bem ou para o mal, sou do tipo que se mantém fiel a (e não procura esconder) suas predileções.

Agora, em 2017, foi a vez do novato, porém barbado, Jordan Vogt-Roberts e suas múltiplas influências (ver abaixo).

Nesses dois filmes realizados no século XXI, a franquia evoluiu em alguns sentidos, mas regrediu em outros. O quase pasteurizado Kong do século XXI não comove mais ninguém. As pessoas podem até vibrar e torcer por ele, sentir um pouco de pena, mas duvido que alguém enxugue os olhos rasos de lágrimas no escuro do cinema. Sim, segundo me informaram, na década de 1970 as pessoas choravam ao ver King KongSerá que hoje as pessoas estão mais insensíveis, ou os roteiros estão esquecendo de desenvolver a essência do personagem?


Seja como for, Kong: a Ilha da Caveira serve no mínimo para despertar o interesse das novas gerações para o tema (e, é claro, como colírio para os olhos dos fãs da atriz Brie Larson).
E a julgar pelo que declarou o próprio Vogt-Roberts, parece que ao menos ele tentou “fazer o dever de casa”, isto é, realmente se esforçou para realizar um trabalho multifacetado e rico em influências. 

O mais barbudo diretor da atualidade declarou que Kong: a Ilha da Caveira traz elementos de filmes como Apocalypse Now, A conversação, Platoon e O hospedeiro, da série Neon Genesis Evangelion, do desenho Princess Mononoke e de monstros como o Cubone do Pokémon.

Boa jornada à Ilha da Caveira.


quarta-feira, março 22, 2017

A conquista do Oeste


No intento de contar como o Oeste foi conquistado, o roteirista James R. Webb tomou uma decisão bastante inteligente: o ponto de vista é feminino. Na verdade, A conquista do Oeste (How the West was Won, 1962) nada mais que é a saga da família Prescott, em especial, as duas irmãs mais velhas, Eve e Lilith.


 Eve é interpretada por Carrol Baker, e Lilith, por Debbie Reynolds, a mãe de Carrie Fisher. As duas irmãs mostram a têmpera das pioneiras estadunidenses. Bastante decididas e práticas, as irmãs Prescott, no entanto, acreditam no verdadeiro amor.

O filme é estruturado em cinco segmentos, três deles dirigidos por Henry Hathaway, um pelo lendário John Ford e o outro por George Marshall. Cada segmento permite que um ator se destaque, de James Stewart a Gregory Peck, de John Wayne a Henry Fonda.

RIOS (Henry Hathaway)
O primeiro segmento mostra o caminho fluvial da migração ao Oeste. A família enfrenta perigos como as corredeiras e um bando de malfeitores, mas também conhece um intrépido caçador, Linus Rawlings (James Stewart), que acaba se apaixonando por Eve.



PLANÍCIES (Henry Hathaway)
O segundo segmento foca na trajetória de Lilith, que se torna uma dançarina de cabaré. Um de seus fãs morre e a coloca no testamento: agora, Lilith é a feliz proprietária de uma mina de ouro na Califórnia. Ela se une a uma caravana e no caminho sofre o assédio de dois pretendentes: o sisudo e insistente Roger Morgan (Robert Preston), chefe da caravana e dono de uma fazenda, e o charmoso Cleve Van Valen (Gregory Peck), viciado em pôquer e sem ter onde cair morto. Lilith terá que tomar uma decisão: ceder aos constantes pedidos de Roger e tornar-se mãe de família, ou sentir o coração palpitando ao lado do imprevisível Cleve.

Os dois primeiros segmentos e o último têm na direção Henry Hathaway, um sujeito que estudou o processo que estava usando (Cinerama, que usa três câmeras na filmagem e três projetores de 35 mm sincronizados sobre uma tela gigantesca com arco de 146°), e realizou um trabalho fenomenal no sentido de aproveitar a oportunidade para realizar algumas das tomadas mais geniais do cinema.



GUERRA CIVIL (John Ford)
Nos extras o espectador fica sabendo o que já desconfiava: John Ford não curtiu muito lidar com o trambolho da câmera desengonçada e monstruosa, não teve a versatilidade necessária para usar a tecnologia a seu favor. "Apenas" fez circunspecta e burocraticamente o seu trabalho. E olha que isso não equivale a dizer que essa parte não tem seus bons momentos. John Wayne participa como um dos oficiais ianques, o general Tecumseh. Durante uma conversa com outro general do alto escalão, os dois sofrerão um atentado de um confederado desertor (Russ Tamblyn, ator que faz um depoimento no documentário dos extras). Zeb Rawlings (George Peppard, de Bonequinha de luxo), o filho de Eve Prescott com Linus Rawlings, é o protagonista deste segmento.



ESTRADA DE FERRO (George Marshall)
Este segmento tem a célebre sequência do estouro da manada de bisões, que soube maximizar os efeitos tridimensionais do Cinerama. Zeb, agora tenente, atua como apaziguador entre os construtores da ferrovia e a tribo dos Arapahos. Henry Fonda dá o ar de sua graça como um caçador ermitão que tem um bom relacionamento com os indígenas.



FORAS DA LEI (Henry Hathaway)
Arrematando a saga, Zeb e família vão à estação buscar ninguém menos que a tia Lily. Mas Zeb, antes de retornar ao vilarejo onde tem o cargo de xerife, precisa resolver um assunto: Charlie Gant (Eli Wallach, o vilão de Sete homens e um destino). O excelente documentário dos extras conta que um dublê se acidentou durante a notável cena de ação que se passa em cima do trem, em que Zeb se pendura numa das toras de pinheiro transportadas no vagão.

Narrado por Spencer Tracy, com um elenco grandioso conduzido por três grandes diretores, abarcando um período de meio século da História dos Estados Unidos, filmado na deslumbrante técnica Cinerama e com um enredo que mereceu o Oscar de Melhor Roteiro, A conquista do Oeste é um filme nada menos do que épico.




terça-feira, março 21, 2017

Whiplash

Certos diretores passam uma vida inteira construindo uma filmografia brilhante e por uma série de fatores acabam sem levar um Oscar de Melhor Diretor para casa.
É o caso, por exemplo (e por enquanto), de David Lynch, Ridley Scott e Peter Weir.
Pois este ano um cara que mal saiu dos cueiros conquistou a tão cobiçada estatueta na categoria de Melhor Diretor.
Estou falando de Damien Chazelle, que em La La Land chegou apenas ao segundo longa-metragem como diretor.
O primeiro foi Whiplash, que eu não tinha visto na época de seu lançamento.
Agora inevitavelmente tive de assistir.
E preciso confessar uma coisa: o tal do Damien realmente sabe como terminar um filme.
O final de Whiplash é algo fenomenal.
Escolha qualquer sinônimo de ápice.
Auge.
Êxtase.
Apogeu.
Zênite.
Clímax.
Pináculo.



 
Tudo isso e mais um pouco é o que acontece no final de Whiplash.
É isso, afinal de contas, que o cinéfilo quer: ser surpreendido, ser estimulado a discutir uma cena, ser obrigado a prolongar a experiência.
Para assistir a este filme eu tive a companhia de meu filho de 9 anos, que não conseguiu desgrudar os olhos da tela.
A temática não era exatamente infantil, mas acho que ele já na pré-adolescência conseguiu se identificar um pouco com o protagonista Andrew Neiman, um cara que persegue o sonho de se tornar um baterista profissional e, para isso, estuda no mais conceituado conservatório do país.
O meu filho percebeu que o pai dele não é tão rígido quanto ele pensa.

Pelo menos, não tão rígido quanto o professor Terence Fletcher, interpretado por J. K. Simmons, no papel que lhe deu, merecidamente, o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.
O próprio Simmons já havia interpretado o mesmo papel em Whiplash, o curta-metragem premiado em Sundance em 2013. Basicamente o curta é a cena da primeira sessão de Miles com a banda de estúdio, na qual o professor mostra por que desperta um misto de respeito e temor entre os alunos.
Já o ator que faz o baterista no curta não é o mesmo no longa.
O protagonista de Whiplash, versão longa-metragem, é Miles Teller, excelente ator da nova geração, mas que, às vezes, por conta das cicatrizes no rosto e no pescoço, perde alguns papéis, como ele explica numa entrevista.
Os extras também trazem depoimentos de bateristas de várias bandas contando os percalços, a trajetória de dúvidas, o “fazer por merecer” até chegar ao profissionalismo.
O que nos leva ao título do filme. O que significa Whiplash?
Claro, é o nome da música composta por Hank Levy (e gravada por Don Ellis em 1973) que a banda do conservatório tem de ensaiar para a competição.
A palavra tem três acepções,
escolha a que você prefere. Eu diria que todas têm a ver com o filme e com a música.
A propósito: o filme recebeu algumas críticas por “não ter mostrado o jazz de modo certo”, mas acho que esse tipo de crítica é coisa de quem entende muito de jazz, o que absolutamente não é o meu caso.




Na realidade, o filme não é sobre jazz em si. Também não é apenas sobre “abuso de poder”. O escopo é bem mais abrangente.
Com Whiplash, Chazelle realizou um excelente filme sobre relações humanas e pavimentou o caminho para já no segundo longa receber a láurea mais cobiçada do cinema.
A sorte favorece os preparados.

Chazelle, segundo consta, sofreu nas mãos de um exigente professor de bateria.
Waaal, ele soube muito bem “fazer do limão uma limonada”.
O acridoce Whiplash é saboroso e refrescante como a melhor das limonadas.


domingo, março 19, 2017

TOP TEN DECEASED DIRECTORS


Ao elaborar esta lista, adotei o seguinte critério:
enumerar, entre os cineastas já falecidos, os 10 mais importantes em minha formação de cinéfilo.


Foi difícil reduzir a lista a apenas dez. Tive que excluir nomes como Stanley Kubrick, por exemplo. Pensei inclusive em fazer um TOP ELEVEN.



Em ordem alfabética:



Akira Kurosawa




Alfred Hitchcock




David Lean


Federico Fellini







Frank Capra



 








 







Ingmar Bergman








John Sturges






Louis Malle






Luis Buñuel








William Wyler









Aguardem a lista com os
TOP TEN LIVING DIRECTORS.

sábado, março 18, 2017

Tico e teco: confusões na árvore

Esta coletânea de 8 desenhos animados realizados na década de 1950 mostra a evolução dos personagens que infernizam a vida do Pato Donald.


No início, os desenhos tinham a ver apenas com disputa por comida. A gula dos esquilos era o leit-motiv das histórias: de maçãs a panquecas, de amendoins a pipocas, Tico e Teco só pensavam em comer.

Nos últimos desenhos da coletânea os personagens evoluem e se tornam mais abrangentes, deixando de lado as guloseimas.

Em "O dragão", o que interessa é defender o território, no caso, a frondosa árvore em que vivem, mas que está bem no meio de uma estrada a ser aberta por um operador de escavadeiras muito sádico, o Pato Donald, é claro.

Já "Nozes para o inverno" envolve a preocupação com a comida, mas sob outro prisma: o de ter o suficiente para passar o inverno. Não é apenas comer por saborear, é uma questão de sobrevivência.

Diga-se de passagem, em nenhum dos desenhos os esquilos são protagonistas, na verdade os desenhos são todos do Pato Donald, coestrelados pelos esquilos mais famosos da animação.

O meu filho de 5 anos adorou todos os episódios, em especial As maçãs de Donald.

Cada vez que ele assiste as patacoadas do Donald é como se fosse a primeira vez: ele cai na risada nas mesmas partes e nunca se cansa de rever.




Sete homens e um destino (2016)

Quinze anos depois de Dia de treinamento, o diretor Antoine Fuqua volta a escalar Denzel Washington e Ethan Hawke na refilmagem do clássico de 1960 dirigido por John Sturges.

O aficionado que alugar o Blu-ray pode assisti-lo no 'Vengeance Mode', que intercala as cenas do filme com uma descontraída conversa do elenco. Essa experiência é aconselhada para quem já viu o filme uma vez pelo menos.

Caso contrário, o melhor mesmo é assistir ao filme de cabo a rabo, com um pause apenas para estourar as pipocas sabor manteiga de cinema.


São essas as delícias de se morar no interior, numa cidade que deixou de ter cinema há alguns anos.

Assistir tranquilo a um faroeste num sábado à tarde, e depois assistir aos extras, bônus, etc.

Fuqua conta que "samurai" significa "aquele que serve", e essa foi a sua intenção ao refilmar The Magnificent Seven: to serve others.

No caso, homenagear o clássico de John Sturges com um filme e um roteiro completamente novo, e em cuja realização não foram poupados esforços para dar verossimilhança ao gênero: nunca um filme mostrou tantas quedas de cavalos. Também o treinamento com as armas foi bastante exigente, para que os sete mercenários revelassem muita intimidade com revólveres e rifles.

A exemplo do que acontece no original, no filme de Fuqua cada personagem contribui com suas habilidades, que incluem adagas (especialidade de Billy Rock, o asiático do grupo) e arco e flecha (na qual o comanche Red Harvest é exímio).

Como se percebe, a versão de Fuqua acrescenta também a multiplicidade étnica: mexicano, afro-americano, índio comanche (na verdade, um nativo do Alaska) e asiático.

Outra diferença é o maior espaço para a presença feminina, na pele da viúva interpretada por Haley Bennet, que assume a liderança dos camponeses perseguidos pelo famigerado Bartholomew Bogue (Peter Sarsgaard).

A piada sobre o cara que cai de um prédio e a cada andar vai dizendo, "So far, so good" (no original, contada pelo personagem de Steve McQueen) reaparece na versão de 2016 na simpatia de Chris Pratt. 


Uma das coisas legais para comentar sobre Os sete samurais de Kurosawa e as duas versões de Sete homens e um destino é a ambiguidade do que realmente move os mercenários de cada história.

Os samurais de Kurosawa abraçam a causa por uma refeição diária de arroz branco. No filme de Sturges a oferta para a perigosa missão é irrisória, praticamente não paga a munição. E na versão de Fuqua também os recrutados parecem aderir ao grupo mais por orgulho de estar participando de uma missão justa do que pelo vil metal. 



Sully - o herói do rio Hudson

Clint Eastwood dirige Tom Hanks e Aaron Eckart neste relato simples sobre um fato extraordinário. Como sempre, o cineasta mantém o seu estilo discreto para contar uma história que, por si só, já tem atrativos suficientes. A perícia de um experiente piloto é posta à prova quando as duas turbinas de sua aeronave são danificadas pouco após a decolagem. Não é uma simulação. Vidas humanas estão em jogo. Uma decisão precisa ser tomada, e rápido.



Só pessoas com extrema autoconfiança e capazes de decisões cirúrgicas poderiam ter tomado aquela decisão e depois executado o plano de modo irrepreensível. Para a sorte de todos os passageiros, o piloto e o copiloto do voo 1549 da US Airways são exemplos desse tipo de profissional, mas a decisão deles, sejam lá quais fossem as consequências, seria completamente investigada e esmiuçada.

Decisão que também colocou à prova toda uma rede de apoio a sinistros, num misto de solidariedade e eficiência que poucos povos podem se orgulhar de demonstrar.

Eastwood e o roteirista utilizaram como fonte o livro que Sully coescreveu com o jornalista Jeffrey Zaslow. Publicada em 2009 (mesmo ano do heroico pouso no rio Hudson), a obra narra os bastidores da investigação que aconteceu após os eventos do dia 15 de janeiro.
As autoridades e partes envolvidas instauraram uma rigorosa investigação para avaliar por que Sully não simplesmente voltou para um aeroporto em vez de arriscadamente pousar no rio.
Sully seria mesmo um herói?

Uma das qualidades de Sully é a metragem enxuta: o filme passa rápido e se concentra no voo, na investigação e no resgate.



A parte usual de filmes-catástrofe, que desenvolve o background de alguns personagens, é minimizada, quase ignorada.

Nem à família do próprio Sully é dado algum estofo, à exceção de umas ligações aleatórias para a esposa Lorraine (Laura Linney). As filhas do piloto só aparecem de relance e não participam do drama paterno. Essa decisão do roteiro talvez tenha sido a mais discutível, porque seria de se esperar uma abordagem mais intimista, algo que valorizasse a importância da família na vida de um piloto, e essa seria a minha única "ressalva" quanto ao filme.