sábado, dezembro 29, 2012

O Hobbit: uma jornada inesperada


Shopping Bella Città, Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Quarta-feira, 21 horas. Dia de promoção: ingresso a 9 reais. Ou seja: fila na bilheteria, fila para a pipoca. Pessoas de todas as idades peregrinam ao templo da experiência sensorial "da moda": o cinema 3-D. Só entrei na primeira fila. Um filme de Peter Jackson já é alimento e distração suficiente para meu cérebro. Ainda mais em 3-D.
Cheguei em cima da hora, o cinema já está quase lotado. Mas quem está sozinho sempre consegue um lugar bem no centro de uma das fileiras. É só ter a cara de pau suficiente para pedir licença até chegar à tão oportuna poltrona livre. Sentei-me ao lado de duas moças desconhecidas, uma das quais abria e fechava incessantemente as pernas, roçando de leve na minha.

Bem, isso não estava no script, mas tudo vale a pena quando a alma não é pequena, os fins justificam os meios e o que nem tem remédio, remediado está. Mas by the way, uma perguntinha para quem entende de etiqueta: abrir e fechar as pernas num cinema apertado não pode ser considerado um tanto vulgar? Mas até mesmo a inquieta (ou fogosa?) moça teve de dar o braço (e as pernas) a torcer e se concentrar na tela, pois O Hobbit: uma jornada inesperada é um filme soberbo, com estofo raro. Jackson e Tolkien têm café no bule. Bala na agulha.

A magia e a densidade de Tolkien são transferidas à tela de modo sublime. O cineasta neozelandês conta a história sem a mínima pressa, com todos os detalhes necessários. Nada sobra e nada falta. O filme tem um ritmo todo especial, com passagens dedicadas à construção das personagens e contextualização do enredo, e com momentos especiais dedicados à ação, à aventura e à magia. As paisagens maravilhosas da Nova Zelândia servem de cenário para cenas de plasticidade inigualáveis, recriando uma Terra Média da qual Tolkien se orgulharia.

sábado, dezembro 15, 2012

Compramos um zoológico

Cameron Crowe tem uma carreira não muito prolífica, mas eclética. Entre os seus filmes mais conhecidos: Vida de solteiro (1992), Jerry Maguire (1996), Quase famosos (2000) e Vanilla Sky (2001). Mas vamos combinar, ninguém vai locar Compramos um zoológico pelo diretor. Nem eu, a propósito. Foi uma grata surpresa saber que atrás das câmeras estaria um diretor do gabarito de Cameron Crowe. Este típico filme "para toda a família" lembra algumas antigas produções da Disney e conta a história da família Mee, que realmente comprou um zoológico depauperado e o transformou num local de sucesso. O roteiro aproveita o tema de modo hábil, e Crowe conduz sublimemente o filme, conseguindo interpretações comoventes tanto do elenco mirim (que inclui Elle Fanning, como Lily Miska, uma das funcionárias do zoo; a carismática Maggie Jones, a caçula Rosie Mee; e Colin Ford, o primogênito Dylan Mee) quanto dos mais crescidinhos (Scarlett Johansson, que interpreta a tratadora-chefe Kelly Ross; Thomas Haden Church, na pele de Duncan Mee, o irmão do dono do zoo). Mas a maior proeza de Crowe é ter sido o responsável por algo que também aconteceu com Tom Cruise em Jerry Maguire: enfim, Matt Damon se tornou um ator. Em tempo: este é o típico filme que pode ser deixado para ser visto no conforto do lar, com a vantagem de ter nos extras um documentário sobre a família Mee verdadeira.

 

Take this waltz

Bem-sucedido estudo sobre a incompreensibilidade da alma feminina. Margo (Michelle Williams) conhece durante uma viagem o misterioso e sedutor Daniel (Luke Kirby). O moçoilo, apesar de magrelo, tem um papo envolvente, olhar penetrante e um humor espirituoso. Características suficientes para despertar um sentimento novo em Margo, que a princípio não consegue decifrar exatamente qual é. Além do mais, ela é casada e se considera uma moça séria. A coincidência que possibilita a ideia do filme: Daniel é vizinho de Margo. Consequentemente, de Lou (Seth Rogen), o incauto, ingênuo e inocente maridão de Margo, chef especializado em frangos que pretende lançar um livro sobre o assunto. Mais uma "comédia romântica" sobre um triangulozinho amoroso? Não!
Entre o amor e a paixão (Take this waltz, 2012) é escrito e dirigido por Sarah Polley, e isso faz toda a diferença. O roteiro corajoso e a câmera sensível dão ao tema da infidelidade (?) feminina uma contextualização, um estofo, uma tentativa de entender... Pois entender não há como. Margo é dessas personagens que a teoria literária classifica como redondas, ou seja, imprevisíveis, humanas, demasiadamente humanas. Sarah Polley não julga sua personagem, nem a tenta entender, ou dissecá-la, ou coisa parecida. Em vez disso, conta a história de uma moça que completa cinco anos de um casamento, digamos, feliz, mas algo lhe falta. Uma lacuna. Será que vale a pena tentar preenchê-la? Ou essa lacuna é algo com que todo mundo (pelo menos, todo mundo que pretende continuar casado) precisa conviver e "sublimar"? Esse contraponto vem numa fala da personagem Geraldine (Sarah Silverman), talvez não coincidentemente a ébria do filme. Será que Margo vai "dançar essa valsa", ou, em outras palavras, ceder à tentação?  
A diretora Sarah Polley (nascida em 1979) começou sua trajetória artística como atriz mirim em seu país natal, o Canadá. Tem um longo currículo em filmes um tanto fora do mainstream, como Existenz, Madrugada dos mortos e A vida secreta das palavras. A moça, que chega ao segundo filme como diretora (Longe dela, 2006, foi a estreia), tem o cacoete de quem sabe o caminho das pedras e entende do riscado.
 

domingo, dezembro 02, 2012

O moinho e a cruz

Antes tarde do que nunca. Conheci o cinema de Lech Majewski! Sem dúvida, é um marco extraordinário na vida de um cinéfilo. Quando as luzes se apagam e aqueles segundos de expectativa pulsam nas veias, tudo que um cinéfilo deseja é isto: ser surpreendido. E surpresas é o que não faltam em O moinho e a cruz. Aliás, o filme é uma surpresa atrás da outra. Em primeiro lugar: o filme é contado por meio de imagens e sons. Para que palavras? Para que diálogos? A força das imagens e dos ecos. Essa é a tônica de O moinho e a cruz. Imagens e sons em movimento inspirados no quadro Procissão para o calvário (1564), de Peter Bruegel, o velho, exposto no Museu Kunsthistorisches, em Viena. Da contemplação minuciosa da obra-prima flamenga, surgiu esta obra-prima polaca. Eu já vira o filme no Instituto NT e meu estupor havia sido tão grande que nem conseguira me manifestar. Acabo de revê-lo na sessão do Clube de Cinema no Cinebancários. Pela sua detalhada e primorosa construção, é o tipo de experiência multissensorial inesquecível indicada para se ver e rever. O som e os ecos são elementos cruciais no efeito estético da obra. As cores. E a profundidade! Parece que todas as cenas foram cuidadosamente planejadas para transmitir um efeito tridimensional. O apuro visual e técnico é realmente impressionante. Rutger Hauer (que vive o pintor Peter Bruegel), Michael York (banqueiro Nicholas Jonghelinck) e Charlotte O porteiro da noite Rampling (Maria) são os principais nomes do elenco desta onírica e perturbadora jornada às raízes do surrealismo.  
 

 

 

 

 

 

 

 


As palavras

Hoje está na moda dirigir filmes em dupla. Nada contra, mas isso não facilita a vida de quem gosta de decorar o nome dos diretores prediletos. De qualquer modo, não vai ser desta vez que Brian Klugman e Lee Sternthal vão entrar nessa seleta lista. Não que As palavras seja um filme descartável. Longe disso. A história de um livro dentro de um livro tem lá seus momentos e conta com a participação de atores de peso, como Jeremy Irons e Dennis Quaid. O também produtor executivo Bradley Cooper encarna o, digamos assim, "protagonista" da história dentro da história. É dele o maior dilema moral da película, o verdadeiro leit motiv desse ensaio sobre autoria/plágio. O escritor interpretado por Dennis Quaid lança o livro The Words. Está participando de uma audição em que o escritor lê parte de sua obra a uma plateia ansiosa. A "trama dentro da trama": o escritor ainda não publicado Rory Jansen (Cooper), em sua viagem de lua de mel, ganha da esposa (Zoe Saldana) uma velha pasta de couro pela qual se interessa.
  Mal sabia o casal que a pasta continha um livro datilografado que vai mudar sua vida. Rory lê o manuscrito e resolve transcrevê-lo, sem mudar uma só vírgula, para o seu computador. O livro é publicado, e ele recebe todos os méritos. Tudo corre bem, até surgir um idoso, interpretado pelo oscarizado Jeremy Irons. O filme se desenvolve nesses dois planos: o da realidade, com o escritor sendo assediado por uma fã louca para ir para cama com seu ídolo, e o da ficção, em que um homem que cometeu um erro terá a chance de se redimir. Num mundo em que o plágio corre solto nos meios acadêmicos e que cada vez menos se dá o crédito aos autores das ideias e das palavras, o tópico vale uma reflexão.

Os intocáveis

Uma das fontes de Os intocáveis é o livro You Changed My Life: A Memoir, de Abdel Sellou. O argelino narra sua experiência inusitada como enfermeiro/motorista/faz-tudo de um magnata paraplégico. Na adaptação fílmica, Omar Sy é Driss, um senegalês sem papas na língua, desbocado, às vezes bruto, mas extremamente eficaz, pragmático e genuíno que cuida do sisudo Phillippe (François Cluzet). De modo não planejado, acaba conquistando um emprego que não queria, mas o desempenha com dedicação e humanidade ímpares. A outra fonte é O segundo suspiro, do milionário Phillipe Pozzo di Borgo, no qual o herdeiro de duas tradicionais famílias francesas conta sua vida e o modo como ela foi afetada pelo acidente sofrido na prática de voo livre com parapente. Claro que a sua relação com o cuidador Abdel também é tópico da obra. Neste filme europeu de estética e ritmo americanizados, a dupla Olivier Kanache e Eric Toledano, que assina o roteiro e a direção, consegue o equilíbrio ideal entre humor e sensibilidade.
 

sábado, dezembro 01, 2012

Era uma vez em Tóquio

 
 
Também conhecido como Viagem a Tóquio (Tokyo Story / 東京物語, Tōkyō Monogatari), este filme de 1953 faz jus à fama de ser considerado pela crítica um dos melhores filmes de todos os tempos. O diretor Yasujiro Ozu (1903-1963) retrata a pungente história de um casal de idosos que mora no interior e vai visitar filhos e netos na capital. A princípio, são bem recebidos, mas à medida que a estadia se prolonga, acabam se tornando um estorvo na vida agitada e ensimesmada dos parentes. Essa é uma sinopse relapsa de um filme encantador e cujo argumento não se resume em duas frases. Com delicadeza extrema, sem pressa nenhuma, Ozu permite ao espectador não só um mergulho na cultura de um povo, mas, principalmente, na natureza de uma espécie que se autointitula Homo sapiens.

Selvagens

O universo das drogas é uma constante no cinema de Oliver Stone. Já abordou drogas das mais variadas. Por exemplo, dois de seus mais importantes trabalhos como roteirista (Expresso da meia-noite, 1978, com direção de Alan Parker, e Scarface, com direção de Brian De Palma, 1983) abordam as consequências de traficar haxixe e cocaína, respectivamente. O primeiro inclusive valeu a Stone um Oscar de melhor roteiro. Nos filmes em que venceu Oscar de melhor direção também há consumo de drogas: Platoon (1986) e Nascido a 4 de julho (1989). Em 1991 dirigiu The Doors, filme regado a sexo, drogas e rock'n'roll. Isso sem falar em Nascidos para matar (1994, roteiro de Tarantino), em que um casal movido pela drogadição deixa um rastro de violência através dos EUA.
Em Selvagens (2012), o cineasta premiado investiga a violência do narcotráfico, com ênfase na droga considerada por muitos inofensiva: a maconha. Dois amigos dividem uma empresa que desenvolve uma variedade mais forte de maconha e, com o diferencial no produto, conquistam o mercado da Califórnia. Dividem também a bela Ophelia (Blake Lively), que acaba raptada por uma traficante concorrente, Elena (Salma Hayek), como forma de obrigá-los a ceder mercado e compartilhar sua variedade superpotente de marijuana. O elenco ainda conta com John Travolta, na pele do indefectível policial corrupto, e Benicio del Toro, em um de seus papéis mais asquerosos. Para livrar Ophelia das garras de Elena, os jovens empresários se envolvem numa inevitável rede de retaliação e de violência desenfreada. Se eu fosse um cara chato e exigente (será que eu não sou mesmo?), eu ia dizer que Stone já fez coisa melhor e que agora "descansa sobre os louros do passado". Mas vou dizer outra coisa. Bom filme em cuja cena crucial toca uma canção que mescla com maestria peso e lirismo: Do ya, da Electric Light Orchestra (confira o clipe original em http://www.youtube.com/watch?v=XLbqJz90VeE).