domingo, novembro 30, 2008

Queime depois de ler

Filme sobre a ridicularidade do ser humano. Filme sobre a banalidade das relações. Filme sobre a inutilidade de órgãos oficiais. Filme sobre a vaidade feminina. Filme sobre a veleidade masculina. Filme sobre a infidelidade feminina e masculina. Filme sobre a previsibilidade do ser humano. Filme sobre a complexidade das relações. Filme sobre a necessidade de exercícios físicos. Filme sobre a frieza feminina. Filme sobre a superficialidade masculina. Filme sobre a fraqueza feminina e masculina.
Filme sobre Harry Pfarrer (George Clooney), Linda Litzke (Frances McDormand), Chad Feldheimer (Brad Pitt), Osborne Cox (John Malkovich) e Katie Cox (Tilda Swinton). Filme sobre a eficiência de reunir um elenco. Filme sobre a versatilidade dos atores. Filme sobre a criatividade do roteiro. Filme sobre a genialidade dos realizadores. Filme dos irmãos Coen.

domingo, novembro 16, 2008

007 - Quantum of Solace (Quanto solaço)

Pelo que pesquisei no google pouca gente sabe o que significa Quantum of Solace. Nem mesmo um dos roteiristas, o oscarizado e ubíquo Paul Haggis. O onipresente Haggis declarou a jornalistas: esse não era o título de sua escolha. Ao que consta, a expressão aparece num dos livros de Ian Fleming para definir o tênue grau de conforto existente numa relação amorosa. "(...) um número exato que define o conforto, a humanidade e o sentimento de amizade necessários entre duas pessoas para o amor perdurar. Sem quantum of solace, o amor está morto". Talvez os produtores tenham achado o título dos roteiristas muito comercial e tenham resolvido complicar ou sofisticar um pouquinho. Ou talvez eles queiram disfarçar no título pomposo a série de erros cometidos na realização de Quanto Solaço.



Main Entry: quan·tum
Pronunciation: \ˈkwän-təm\
Function: noun
Inflected Form(s): plural quan·ta
\ˈkwän-tə\
Etymology: Latin, neuter of quantus how much
Date: 1567
1 a:
quantity , amount b: portion , part c: gross quantity : bulk2 a: any of the very small increments or parcels into which many forms of energy are subdivided b: any of the small subdivisions of a quantized physical magnitude (as magnetic moment)

Fora o engano de escolher um título tão enigmático que nem os próprios roteiristas têm idéia do que se trata, o erro que mais salta aos olhos no novo filme de 007 é de 'miscasting'. Fique tranqüilo/a, não é de Daniel Craig que estou falando. Nem tampouco de Gemma Arterton, que interpreta a ruiva agente Fields, muito menos de Olga Kurylenko, que encarna Camille. Nem de Jeffrey Wright (o agente da CIA Felix Leiter, um dos poucos acertos do roteiro). Refiro-me a Mathieu Amalric, ator gentil e clássico, capaz de comover mexendo apenas um olho (ver abaixo comentário sobre O escafandro e a borboleta), escalado aqui como o vilão Dominic Greene. Carismático nas cenas de diálogo, mas não o tipo de ator para confrontos físicos. E contra Daniel Craig, então, torna-se até ridículo e sem graça uma luta. Mas é esse o 'clímax' do filme: um 'violento e emocionante' combate entre o brucutu, o brutamontes, o neandertal Craig contra o nanico, o mirrado, o esmilingüido Amalric. Não, não me venham dizer que isso é detalhe. Mesmo se fosse, Deus está nos detalhes, já disse um arquiteto famoso. E não me venham dizer também que estou cometendo spoiler, pois todo filme de 007 tem um confronto final entre ele e o vilão, ou o capanga do vilão. Pois até nisso houve miscasting: o capanga também é magricela e pateta.



Main Entry: solace
Function: noun
Etymology: Middle English solas, from Anglo-French, from Latin solacium, from solari to console
Date: 14th century
1 : alleviation of grief or anxiety 2 : a source of relief or consolation

Esses produtores estão ficando previsíveis demais. Pegam um dos melhores diretores atuais, Marc Forster para ser mais exato (2004, Finding Neverland; 2005, Stay; 2006, Mais estranho que a ficção; e 2007, O caçador de pipas), para dar credibilidade e algum estilo (a propósito, seria curioso saber que cenas ele dirigiu, já que a maioria das cenas tem o perfil de terem sido filmadas pelo 'diretor de segunda unidade', por serem cenas específicas de ação). Contratam roteiristas promissores e pelo menos um renomado (Paul Haggis), também para dar um ar de 'puxa, a história deve ser interessante, afinal o roteirista escreveu e dirigiu Crash' (mas em compensação cometeu No vale das sombras). Temperam isso tudo com duas mulheres longilíneas e o resultado da equação deve ser um novo sucesso de bilheteria.


Sucesso de bilheteria à parte, desta vez o pudim perdeu a forma, pois a trama de Haggis e companhia é por demais forçada e descabida. Esses roteiristas partem do princípio que o cérebro do espectador é um depósito de lixo bem grande, capaz de receber montanhosas doses de besteirol, com pretensas críticas políticas embutidas e pretensas piadas. Haggis é o roteirista mais pretensioso da atualidade. E não se recicla, todo filme que ele assina é invólucro das mesmíssimas idéias. Se ainda não viu Quantum of solace: cuidado com a insolação.

sábado, novembro 08, 2008

Em busca da vida

Consta que o diretor Jia Zhang-ke era pintor antes de dedicar-se ao cinema. Em busca da vida pinta com tintas soturnas uma China em literal demolição. Prédios demolidos em locais em breve inundados por uma barragem. Vidas demolidas pela incompreensão e pelo desamor. Uma sociedade desarticulada em processo de desconstrução, face às exigências do "mundo globalizado". Uma China na corda bamba (como os demais países do BRIC, grupo de países emergentes que inclui também o Brasil, a Rússia e a Índia), oscilando entre a revolução tecnológica e o uso de métodos que privilegiam a mão de obra barata.

Pois é como trabalhador no ramo das demolições que Han (Han Sanming) consegue emprego enquanto procura localizar a esposa e a filha que não vê há dezesseis anos. História inserida dentro da história principal é a de Shen (Zhao Tao), outra pessoa em busca de alguém, no caso o marido que a deixou numa província para trabalhar num centro maior e parou de mandar notícias. Sempre bebericando água de uma garrafa plástica, não sossega até encontrar o marido. Mas o filme centra-se mesmo na saga de Han. Na jornada em busca da filha, conhece pessoas como o dono da pensão desalojado devido às demolições e o simpático colega de trabalho que acaba soterrado no meio dos entulhos.

Com fotografia opressiva, toques non-sense e falta de pressa em contar a (?) história, Jia Zhang-ke ostenta o posto de um dos "mais importantes cineastas mundiais". Talvez o mais correto fosse rotulá-lo como um dos "mais engajados cineastas mundiais". Que os recursos artísticos utilizados pelo diretor (lentidão, poucas cores, escuridão, ausência de fatos relevantes no enredo) atingem seus objetivos não há dúvida.

A China pintada por ele é uma China de prédios em demolição, vales inundados, pessoas enganadas, trabalhadores explorados com baixos salários e sem o mínimo de segurança, esposas compradas. Uma China em que prevalecem sentimentos como o desamor e a intolerância. Uma China sem esperança. Uma China cuja globalização parece faltar a "face humana", apregoada pelo indiano Jagdish Bhagwati na obra Em defesa da globalização.

REM in POA: Living well is the best revenge


A quinta-feira dia 6 de novembro amanheceu nublada em Porto Alegre. Em alguns pontos da cidade uma fina cerração dava lugar a uma chuva tímida. Tudo levava a crer que poderia chover e estragar as condições do gramado. Mas, para a felicidade geral da nação roqueira, o tempo clareou, e quinze mil felizardos presenciaram o show do R.E.M. no campo do Zequinha (Esporte Clube São José, fundado em 1913 e considerado o time "mais simpático" do RS).

Os colorados torciam para o seu time, que naquela mesma hora enfrentava o Boca Juniors da Argentina pela Copa Sul-Americana. Os gremistas secavam o Inter. Mas todos sem exceção esperavam ansiosos os primeiros acordes da guitarra de Peter Buck, do baixo de Mike Mills e das abençoadas cordas vocais de Michael Stipe.

Abre parênteses. O que faz do R.E.M. uma banda tão apreciada pelos fãs e até mesmo pelos não-fãs, o 'público em geral'? Talvez eles estejam para o rock como o Zequinha está para o futebol gaúcho, ou seja, uma banda que mesmo sem querer agrada a gregos e a troianos, ou pelo menos não desagrada. E volta e meia emplacam hits inesquecíveis e quase unânimes, como é o caso de Imitation of Life e Losing (e não 
"Loosing", como saiu no Correio do Povo!) My Religion, para citar apenas dois exemplos. Fecha parênteses.

Bem, o fato é que às 20 horas e trinta, lá estava eu em companhia da mãe de meu filho de treze meses (que ficou aos cuidados da supervovó) na quilométrica fila para entrar no estádio. Fomos de táxi, por isso aproveitamos para comprar cervejas. 473 ml para cada um depois, adentrávamos no modesto mas (novamente) simpático estádio do Zequinha, que certamente depois deste show tornar-se-á um dos locais do circuito rock porto-alegrense. Tudo preparado, o show de abertura começa, com o Nenhum de nós tocando, entre outras, Camila e Paz e amor. In the meantime, começa o jogo do Inter na Bombonera. O vocalista do Nenhum de nós declara que o R.E.M. é a banda predileta deles. Entonces, com a platéia devidamente aquecida, eles saem e os roadies desmontam a bateria da banda gaúcha.

Como vai ser o show? Qual será o setlist? Melhor que o do Rock in Rio 3, em 2001? Repleto de hits, um show pop? Ou mais direcionado aos fãs de carteirinha, que conhecem as músicas mais obscuras? Ou um meio-termo? Em que situação eu me enquadraria, by the way? Tenho todos os álbuns da banda, mas confesso que escutei pouco alguns deles. Por outro lado, domino bem alguns discos relativamente desconhecidos, como Life's Rich Pageant, de 1986 (o nome desse disco é uma expressão idiomática; 'be part of life's rich pageant/tapestry'; difficult experiences are part of our lives' rich tapestry). Mas felizmente nossa vida é feita de retalhos bons também. Como, por exemplo, ficar imaginando quais canções serão escolhidas de um fantástico repertório.


Living Well is the Best Revenge, a faixa de abertura do recente Accelerate (2008), é a escolhida para iniciar os trabalhos. Depois vieram duas que eu não conhecia, que depois fiquei sabendo serem do álbum Monster, muito admirado por uns mas que ainda precisa me conquistar. Enquanto lá na Bombonera o Inter segurava o empate de 0 x 0 no primeiro tempo, no campo do Zequinha a banda norte-americana de Athens, Geórgia, emendava uma canção após a outra, com extrema competência, mas nem sempre com o domínio pelo público do material apresentado. Parecia que a platéia esperava ouvir uma das mais 'conhecidas'. Foi então que a banda disparou a clássica Drive, a faixa um de Automatic for the People (1992). Com sua atmosfera psicodélica e sua cadência hipnotizante, a canção serviu para aproximar mais o público e engrenar um show até ali um pouco frio. Ao mesmo tempo, na Bombonera, o Inter abriu o placar no começo do segundo tempo. Metade do público do show vibrou e entoou "Vamo, vamo, Inter". A outra metade desdenhou e torceu para o Boca empatar, o que aconteceu dez minutos depois.

No palco, a banda continuava a tecer sua colcha de retalhos, alguns um tanto inesperados mas muito bem-vindos (como o caso de Walk Unafraid, jóia incrustada no álbum Up, de 1998). Enquanto isso, o colorado caminhava sem medo rumo à vitória em plenas plagas argentinas. Depois de jogada de D'Alessandro, Alex marcou o segundo gol gaúcho, para desespero dos gremistas. O R.E.M., por sua vez, marçou um golaço ao tocar Imitation of Life (de Reveal, 2001) . O público animou-se e entoou com ardor o refrão da canção: That's sugarcane, that tasted good /That's cinnamon that's hollywood/ C'mon c'mon no one can see you try... Do álbum novo, mais duas: Man-Sized Wreath e, mais tarde, Horse to Water. Os destaques da primeira fase do show, foram, sem dúvida, além da já mencionada Imitation of Life, The One I Love (do LP Document, de 1987) e It's the End of the World as We Know It (And I Feel Fine), também do Document.

Então a banda retirou-se do palco (lá na Bombonera, o Inter retirava-se do gramado, após o apito final: Boca 1 x 2 Inter). No telão, Stipe brincou com o público mostrando recadinhos manuscritos de "Mais R.E.M.?", "não estou esutando (sic) vocês". Com Mike Mills envergando a canarinho, o bis começou com a esperada Supernatural Superserious, uma das melhores do Accelerate. Então Peter Buck largou a guitarra e pegou a viola com que ele toca um dos clássicos imortais da banda: Losing My Religion, de Out of Time (1991). Depois disso, parecia que nada poderia dar continuidade, era a apoteose consumada. Mas eis que a banda guardava mais surpresas. Uma delas foi fazer subir ao palco a placa "We are Obama too", erguida pelos fãs-porto-alegrenses. Stipe aproveitou a deixa e fez o link com a música seguinte, uma preciosidade pinçada de Life's Rich Pageant: Cuyahoga. A canção fala sobre salvar o Rio Cuyahoga e construir um novo país (ver letra abaixo). Nessa parte do show senti-me um pouco estranho, pois eram poucas as pessoas que como eu cantavam o refrão "Cuyahoga". Depois deste momento inusitado, o que ainda restaria? Duas canções belíssimas do Automatic for the People: Everybody Hurts e, para encerrar uma noite perfeita, Man on the Moon.

Mais fotos e comentários sobre este memorável show, ver
http://www.clicrbs.com.br/blog/jsp de onde foi retirada a primeira foto (de Omar Jr.) que ilustra este post. A foto do jogo Inter x Boca é do site http://www.scinternacional.net/.

P.S. Escrevi um texto sobre o R.E.M. no zine Wall of Sound. Pode ser lido aqui.







Foto: Rio Cuyahoga no inverno (http://usparks.about.com/od/parkphotographs/ig/cuyahogaphotos)

CUYAHOGA (Berry/Buck/Mills/Stipe)
Let's put our heads together and start a new country up
Our father's father's father tried, erased the parts he didn't like
Let's try to fill it in, bank the quarry river, swim
We knee-skinned it you and me, we knee-skinned that river red
(chorus 1)
This is where we walked, this is where we swam
Take a picture here, take a souvenir
This land is the land of ours, this river runs red over it
We knee-skinned it you and me, we knee-skinned that river red
And we gathered up our friends, bank the quarry river, swim
We knee-skinned it you and me, underneath the river bed (repeat chorus 1)
(chorus 2)
Cuyahoga
Cuyahoga, gone
Let's put our heads together, start a new country up
Underneath the river bed we burned the river down
This is where they walked, swam, hunted, danced and sang
Take a picture here, take a souvenir
repeat chorus 2)
Rewrite the book and rule the pages, saving face, secured in faith
Bury, burn the waste behind you
This land is the land of ours, this river runs red over it
We are not your allies, we can not defend

segunda-feira, novembro 03, 2008

R. E. M.


Em semana de show do R.E.M., resgato um texto do baú de relíquias.


R.E.M.

Rapid Eye Movement. Enquanto você sonha, dormindo, eletrodos levemente afixados às suas pálpebras podem detectá-lo. Movimento ocular rápido, rápido; trajetória de cometas, beija-flores, granizo...

Relâmpago, êxtase, mágica! Eletrizante e onírica, pulsante e otimista, trilha para dias de céu azul intenso e noites flechadas por estrelas cadentes; assim é a música do R.E.M., banda de rock. Mills, Berry, Stipe e Buck, respectivamente baixo, batera, voz e guitarra.

Reinaram nas garagens de Athens, Georgia, no circuito independente e nas rádios alternativas; hoje estão no cast da Warner e tocam para platéias de 20.000 pessoas. Entrelaçam acordes country ao urbano desespero; a acústica suave, o ar, a poesia, ao mais pesado dos metais. “MURMUR”, o primeiro LP, de 83, soou como um grito de lucidez no universo pop, tão forte e compacto como a canção símbolo desta estréia, Radio Free Europe.

RECKONING”, o segundo trabalho, veio no ano seguinte e marcou a sedimentação do estilo único do grupo e, embora os mais entendidos o tenham taxado como de “menor inspiração”, tem sete irmãos chineses e muita transpiração. “Este é o meu erro, deixe-me fazê-lo bem feito”, letra do LP “GREEN”, seria perfeita para abrir “FABLES OF THE RECONSTRUCTION”, o terceiro e o “menos bom” da carreira, por sinal, o primeiro a ser lançado em nossas plagas, na amarela moldura da New Rock Collection. Meses depois, “LIFE’S RICH PAGEANT”, o quarto, de 86, segundo os entendidos não alcançou “resultado satisfatório”; levou os fãs, porém, ao orgasmo.

Rispidamente começa, com a canção de trabalho mais refinada, a hora mais primorosa: “DOCUMENT”, o quinto, documenta a ascensão do R.E.M. para além das nuvens, uma tour alucinante na alta estratosfera, na carona da supersonicamente acelerada “It’s the end of the world (as we know it)”. E sobra tempo para brincar: “DEAD LETTER OFFICE”, que Thomas Pappon bem conceituou como o disco que todas as bandas gostariam de fazer: sobras de LPs, covers, lados B de singles. Mata nativa em dia de sol, com suas diferentes tonalidades de verde – imagem comparável a “GREEN”, laranja de capa e, na realidade, maduro, foi o disco mais bonito, mais vivo, mais transmissor de esperança lançado no Brasil no ano passado.

Publicado originalmente no zine Wall of Sound (editora Jussara Neves), em janeiro de 1990.