domingo, novembro 12, 2006

Volver


Em poucos minutos, Almodóvar conduz a platéia, de modo quase imperceptível, das lágrimas ao riso. É, também, um dos raros realizadores capazes de abordar um tema sério de modo até certo ponto leve. Volver passa-se na Espanha, entre Madri e um vilarejo na região de Mancha. O intertexto com Dom Quixote - o cavaleiro que enfrenta moinhos de vento - é criado pelo diretor e roteirista espanhol, ao mostrar na tela as usinas de energia eólica que hoje se espalham na região. Aproveitando a deixa: Turgenev dizia que o mundo se divide entre Dom Quixotes e Hamlets, entre o cômico e o trágico, embora nenhum exista em estado puro. E assim são as personagens de Almodóvar em Volver. Tragicômicas. Quixotescas. Humanas.
Raimunda (Penélope Cruz, sorrindo de mão no queixo) (como se alguém não a conhecesse) mora com a filha Paula (Yohana Cobo, de regata colorida sentada na guarda) e o marido Paco (Antonio de La Torre Lopez). Paula está na puberdade e um olhar de Paco denuncia o fato desencadeador da história. Quer dizer, um dos fatos. Afinal, enredos de Almodóvar não são lineares, são sempre labirínticos, espirais, excessivos. Almodóvar chegou no ponto em se dá ao luxo de não precisar mais ser verossímil. Uma série de coincidências faz a história andar, mas o público aceita sem questionar muito, pois está já envolvido pelas pessoas que participam da aventura.
Raimunda é o protótipo da mulher almodovaresca: brava, pragmática, sensual, verdadeira, emotiva, capaz de resolver problemas inesperados, tocar um negócio sozinha e cantar com alma. Faz de tudo para defender a família, que se completa com a míope tia Paula, a irmã Soledad (Lola Duenas, na foto, bem à direita), que trabalha como cabeleireira e acolhe em sua casa uma estranha mulher; e o fantasma da mãe Irene (Carmem Maura, de pé, atrás), que, dizem, está aparecendo no vilarejo. Revelações da amiga Agustina (Blanca Portillo, de saia xadrez, ao lado de Penélope) sobre o incêndio que matou os pais de Soledad e Raimunda vão acrescentar novos elementos de interesse à trama, que tem, também, momentos de desconcentração, quando Raimunda resolve ativar um restaurante fechado para alimentar uma equipe de filmagem de 30 pessoas.
Para concluir, vai aqui uma frase de Agustina, não a personagem de Almodóvar, e sim a escritora portuguesa Agustina Luís-Bessa, que explica um pouco a psicologia das lutadoras mulheres de Volver: "Ser uma mulher é uma forma de inteligência para merecer a própria virtuosidade, a do pressentimento em todos os seus aspectos, tranquilizantes e ameaçadores."

Os Infiltrados (The Departed)


O carisma de Leonardo Di Caprio contrabalança a canastrice de Matt Damon no novo filme de Martin Scorsese: “The Departed”, título que os distribuidores brasileiros, num assomo de originalidade, conseguiram transformar em “Os Infiltrados”. Billy Costigan (DiCaprio) e Colin Sullivan (Damon) são ambiciosos policiais recém-graduados. O primeiro irá aceitar uma proposta de agir como informante da polícia, trabalhando para o asqueroso líder do crime organizado Costello (Jack Nicholson). O segundo é uma criação desse mesmo gângster – fez a academia da polícia já com o plano de no futuro passar informações ao mafioso.
A subtrama 'emocional' envolve a sedutora psiquiatra Madolyn (Vera Farmiga), que namora Colin e ao mesmo tempo tem Billy como paciente, compondo um previsível triângulo amoroso para apimentar a película.
"The Departed" traz algumas das marcas do cinema de Scorsese - ceticismo, niilismo, violência. A edição é dinâmica, alternando cenas de cada um dos 'infiltrados' e suas estratégias de trabalho. O ritmo do roteiro segue a tendência atual de muita surpresa e pouca alma. Ao término do filme, a sensação é de vazio. Se esse era o objetivo de Scorsese, foi plenamente alcançado.