terça-feira, setembro 26, 2006

As torres gêmeas



Oliver Stone tem uma relação de amor e ódio com sua família – a nação americana. Cineasta obcecado por assuntos ianques, aborda-os sempre com uma visão crítica. O oscarizado Platoon (1986) mostra a desilusão de um jovem voluntário para combater no Vietnã. Wall Street (1987) retrata o universo de ganância do centro financeiro do país. Nascido em 4 de julho (1989) é sobre um veterano que volta tetraplégico da (novamente) guerra do Vietnã. JFK (1991) investiga os bastidores do assassinato do presidente e apresenta teorias de conspiração. Natural Born Killers (1994) traz um casal assassino que atravessa o país atraindo a atenção da mídia. Nixon (1995) focaliza a biografia do controverso presidente norte-americano. Em resumo, na filmografia de Stone - que começou roteirizando filmes como Midnight Express (1978, Oscar de Melhor Roteiro), de Alan Parker, e Scarface (1983), de Brian De Palma - a acidez é uma constante.
Já em World Trade Center, Stone aplaca a auto-crítica ianque e deixa o sentimento de nacionalidade dominar cada fotograma da película. É o filme de uma família atacada de modo covarde. Não é preciso ter passado por isso – ter sido vítima de ataques traiçoeiros, maquiavélicos e torpes – para imaginar o que sentiu naquele dia e o que essa data passou a significar para o povo americano. Se alguém tinha alguma dúvida, o 11 de setembro de 2001 escancarou que vivemos numa era de incompreensão e de falta de diálogo, uma era de radicalismos e de atos desesperados.
Em 11/09/2001, um pelotão de guardas portuários é chamado ao World Trade Center. Ao chegar no local e topar com a situação caótica, o sargento John McLoughlin(Nicholas Cage) pede voluntários para ajudar a evacuar as torres. Um dos soldados que se apresenta é Will Jimeno (Michael Pena). Alguns tensos minutos para pegar equipamentos, incluindo tubos de oxigênio e capacetes. Quando a equipe está no térreo do prédio que liga as duas torres, uma das torres começa a desabar. O sargento só tem tempo de dizer a seus comandados para correrem até o poço do elevador, onde John e Jimeno conseguem sobreviver aos sucessivos desabamentos.
A partir daí, Stone alterna o drama vivido pelas duas famílias e a luta pela sobrevivência dos dois policiais soterrados. Sem água, a 6 metros da superfície, imobilizados por lajes de concreto, com hemorragia interna e fraturas múltiplas, John e Jimeno conversam para não adormecer e entrar em choque. Um conforta o outro e compartilham lembranças de seus familiares. Jimeno tem Bianca, filha de 4 anos, e Allyson (Maggie Gyllenhaal), esposa grávida de 5 meses. Ela quer que a segunda filha se chame Olívia, ele, Alyssa. John tem a esposa Donna (Maria Bello) e 4 filhos. Surge uma personagem importante - espécie de alter-ego de Oliver Stone -, um ex-mariner que corta o cabelo, traja-se com a farda de combate e vai a Nova York procurar sobreviventes nos escombros.
Vai analisar, o filme é previsível e não chega aos pés da veracidade encontrada em Vôo 93. Se o mérito cinematográfico de um filme fosse medido pelas surpresas do espectador, o do filme de Stone seria nulo ou quase nulo. Se, porém, o cinema for encarado também como veículo para traduzir o sentimento de uma época, bem, nesse caso, World Trade Center dá sua contribuição valiosa.

O diabo veste Prada


A jornalista Andrea (Anne Hathaway, de Brokeback Mountain) emprega-se numa revista de moda como segunda assistente da legendária Miranda Priestley (Meryl Streep, em seu momento Glenn Close). O cargo é conquistado tête-à-tête com a futura chefa, a pessoa mais influente da moda em Nova York, detentora de uma coleção de bolsas Prada, numa entrevista em que Andrea demonstra não ter nada do perfil requerido: não entende – e parece não querer entender – nada de moda. Desleixada no vestir-se, Andy se vê, de uma hora para outra, num meio onde a pessoa vale a marca que usa. Sossegada, Andy é submetida à pressão de estar sempre disponível e apta a solucionar toda sorte de problemas. Sem ambição, Andy é colocada num ambiente de disputa, inveja e falta de ética. Venderá Andy sua alma ao(à) diabo(a)?
Se o parágrafo aí em cima mencionasse a ‘trama secundária’, qual seja, a atroz dúvida de Andy entre o namorado perfeito, fiel e simples (Adrian Grenier, sósia do colorado Fernandão, campeão da Libertadores 2006) e um novíssimo pretendente, sofisticado e poderoso, uma leitura superficial – da resenha e do filme – talvez pudesse julgá-lo uma razoável ‘sinopse’ do segundo filme de David Frankel (o primeiro foi Miamy Rhapsody, de 1995).
Ledo engano! A verdade é que ‘O diabo veste Prada’ vai além (ok, não muito além) dos estereótipos ao dar espaço a pequenos detalhes que humanizam a personagem complexa de Miranda, e explicitam a admiração mútua entre chefe temida e assistente obstinada. Claro, não espere nenhum tratado filosófico sobre a importância dos princípios éticos, nem o roteiro é hipócrita o suficiente para fazer de Andrea (nome lindo, não?) uma pessoa que não procura ser aceita, que não gosta de novidades e que não cede às tentações.

quarta-feira, setembro 13, 2006

Vôo 93


O filme de Paul Greengrass (A Supremacia Bourne, Domingo Sangrento) narra a versão oficial da trajetória do vôo 93 da United Airlines, no dia 11 de setembro de 2001, pela qual os passageiros tentaram retomar o comando do avião seqüestrado por quatro terroristas da rede Al-Qaeda. Outra teoria - confirmada por testemunhas oculares - é a de que o avião foi abatido por um F-16.
O roteiro tem estilo de documentário, sem espaço para floreios e 'desenvolver personagens'. A história contada é a do vôo 93, não do piloto, do controlador de vôo, ou desse ou aquele passageiro. Outro mérito do roteiro é a maneira com que focaliza a hesitação, o medo e a religiosidade dos 'hijackers'. Os seqüestradores do jato da United são retratados não como pessoas frias e calculistas, e sim como pessoas desesperadas, no limite de suas forças psicológicas e físicas, marionetes de seus líderes maquiávelicos.
A opção por um elenco desconhecido reforça a veracidade e o clima de realismo que impregnam a película. Sob esse prisma, o filme é bem sucedido: consegue 'colocar' o espectador na pele das pessoas inocentes que embarcaram naquele fatídico vôo e desde já se qualifica como um libelo contra o terrorismo.

segunda-feira, setembro 04, 2006

O que você faria?




Num dia de protestos antiglobalização em Madri, sete profissionais disputam uma vaga de executivo na empresa Dekia (uma cruza de Dell com Nokia?). Enquanto nas ruas o tumulto acontece, no departamento de recursos humanos da Dekia predomina a calma. Lá embaixo, o mundo se desintegra, aqui, sorrisos e vozes pausadas. Os cinco homens e duas mulheres chegam e são convidados por uma secretária a preencher formulários. Em pouco tempo estão participando de um jogo onde o cumprimento de cada etapa acarreta a eliminação de um dos concorrentes – qualquer semelhança com o Big Brother não é mera coincidência – e conduz a um único vencedor.
Baseado na peça intercontinental (sucesso em Madri e na Cidade do México) "O Método Grönholm", de Jordi Galcerán, o novo filme de Marcelo Piñeyro (Plata Quemada) aborda o sistema utilizado pela Dekia selecionar seu pessoal: posicionar o grupo em situações que requerem análises técnicas, morais, econômicas – e éticas. Ao se defrontarem com um problema, os aspirantes ao cargo precisam demonstrar, por meio de conversas articuladas e raciocínios embasados, capacidade de trabalhar em grupo e de tomar as decisões acertadas. Os candidatos precisam se adaptar com rapidez às circunstâncias, e os espectadores ficar atentos às sutilezas e ironias do roteiro.
Claustrofóbico, tenso, o filme de Piñeyro faz um intertexto com O Anjo Exterminador, de Luís Buñuel. Com a diferença: no clássico filme espanhol, os convidados de uma festa querem sair desesperadamente da casa e lá são retidos por uma força fantástica; enquanto no filme do argentino Pineyro, os concorrentes fazem de tudo para não sair, mas vão, um a um, sendo expulsos por uma força real – o capitalismo selvagem. ‘O que você faria?’ (2005) é um exercício de antropofagia, um retrato dos tempos modernos internacionalizados. Por uma vaguinha na Dekia, vale tudo. Cada um por si, Deus por todos. Afinal, money talks, bullshit walks.