sábado, fevereiro 25, 2006

Capote

A atriz Catherine Keener e o ator Philip Seymour Hofmann concorrem ao Oscar pelo filme Capote, dirigido por Bennett Miller.
Interpretando Nell Harper Lee - a autora do best seller "To Kill a Mockingbird", e amiga íntima do jornalista Truman Capote - Catherine Keener entrega uma atuação sóbria, digna da indicação para Best Actress in a Supporting Role. Philip Seymour Hoffman, por sua vez, de maneira minuciosa, fixa o sotaque, adota o timbre de voz, encarna os trejeitos e jeitos de Truman Capote. Não é à toa que é dos mais cotados a abiscoitar o Oscar de Melhor Ator.
Capote conta a história dos bastidores de "A Sangue Frio", o livro que inaugurou uma nova espécie de jornalismo - o jornalismo literário - e fez de seu autor o mais lido e vendido do início dos anos 60, nos EUA. Ao ler uma notícia de capa de um jornal de Nova Iorque sobre o assassinato de 4 pessoas da mesma família no estado de Kansas, Capote, então já famoso pela autoria de Breakfast at Tiffany's (Bonequinha de Luxo), resolve empreender um trabalho investigativo paralelo ao da polícia, envolvendo entrevistas com amigos das vítimas, pessoas da comunidade, policiais e - mais tarde - com os acusados do crime.
Para desenvolver o trabalho, Truman tem a companhia e a ajuda da amiga Nell Harper Lee (Catherine Keener). Os dois suspeitos do crime são condenados à morte por enforcamento e Capote intercede para que eles tenham direito à apelação. O projeto do livro - bem como o processo judicial - dura quatro anos e resulta na amizade entre Truman Capote e Perry Smith, um dos acusados.
O filme de Bennett Miller, além de destacar qualidades (bom humor, presença de espírito, inteligência, sangue frio) e defeitos (falsidade, egoísmo e hipocrisia) de uma das personalidades mais controvertidas e influentes do século XX, detalha os dilemas morais e éticos que envolvem a redação de um best-seller como "In Cold Blood."

domingo, fevereiro 19, 2006

Mulheres que correm

Ei-las. No parque, na praia. O rabo de cavalo balança de um lado a outro, no ritmo das passadas. Concentração estampada no rosto decidido. A respiração comanda o movimento harmonioso, o jogar equilibrado dos braços, o arremessar das pernas torneadas. Mulheres que correm.

No Parcão, na Redenção... Nas manhãs, nas tardes, na boca da noite... Indiferentes aos olhares e aos flertes, elegantes, tesas, alvoroçadas, sem destino, pensando em nada além da próxima curva, da próxima subida – da próxima volta. O coração palpita. Os poros abrem. O suor escorre... mulheres que correm.

Atravessando as ruas, aventurando-se no meio dos carros, lá vêm elas! Enfim chegam à calma e ao verde dos parques, por seus caminhos se embrenham, misturam sua energia, sua vida, sua essência, acrescentam um toque a mais de viço, saúde e delicadeza ao ambiente.

Correm, esvoaçantes ou pesadonas, esquisitas ou discretas, delgadas ou fofas, desajeitadas ou estilosas... Como gazelas, seriemas e potras... Ou como búfalas, hipopótamas e pingüins. Pra emagrecer, pra manter a forma, pra conquistar um novo namorado, pra manter o atual, pra espantar a preguiça, pra cultivar a disciplina, pra suprir a necessidade imperiosa de correr, correr, correr... Impacientes, impulsivas, irrequietas – mulheres que correm.

Mas não só de corridas literais vivem as mulheres. Atletas ou não, elas sempre estão correndo contra o tempo, por variados motivos. Para chegar ao trabalho, levar as crianças na escola, fazer o super, manter a casa, o penteado, encontrar as amigas, atirar-se aos braços de alguém... Para chegar na hora da aula, fazer o tema, ler uma pilha de livros, escrever o trabalho de conclusão e satisfazer o namorado... Para preparar a lição, ir à reunião, corrigir as provas, revisar a matéria, respirar trabalho, para esquecer o coração...

Elas correm nos eixos – ou descarrilam. Correm na órbita – ou se desviam. Correm na rodovia – ou pegam atalhos. Correm para cumprir os compromissos – ou fugir deles. Correm para evitar o perigo – ou senti-lo nas veias. Correm para se preservar – ou se entregar. Correm para o marido – ou amante. Para o lar – ou motel. Para a redenção – ou perdição! Responsáveis, estóicas, seguras. Delicadas, inconseqüentes, perdidas... Mulheres que correm.

Wild at Heart


Tempestuoso, imorredouro, violento. Flamejante, imprevisível, engraçado. Surpreendente, quente, comovente. Inquieto, agitado, genuíno. Puro, doce, insubstituível. Fértil, exacerbado, pulsante. Visceral, incontrolável, selvagem.

Assim é o amor entre Lula e Sailor. Assim é o gênio do diretor David Lynch e o talento do músico Angelo Badalamenti. Assim é cada fotograma do vencedor da Palma de Ouro em Cannes de 1990: Coração Selvagem.

Há filmes que têm este dom: por mais que as revisitas se acumulem, a diversão, o riso, a ternura e a emoção se renovam. Já se sabe o que vai acontecer. Já se sabe o que cada personagem vai fazer, o que cada um vai falar. Dir-se-ia que, entre os adjetivos acima, ‘imprevisível’ e ‘surpreendente’ não se encaixam. Ledo engano. Cults como Wild at Heart, a cada nova sessão, para matar as saudades, para celebrar a magia do cinema, ou, motivo mais palpável - mostrar para alguém que ainda não viu - nos remetem à primigênia e original sessão. Emoções já sentidas ganham um quê de frescor, uma lufada de brisa, um novo colorido. Não, não há novo detalhe a ser percebido. Não é este o motivo de rever um cult. Um cult movie é revisto pelo orgulho de mostrar, pela emoção de reviver...
Pela necessidade de aplacar o coração selvagem.

A mão delicada de Lula, unhas pintadas de vermelho, abrindo-se na hora do êxtase. Os fósforos riscados, os cigarros acesos. As palavras que Laura Dern e Nicolas Cage trocam na cama, depois de fazer amor. A jaqueta de couro de cobra, que representa, para Sailor, sua crença na individualidade e na liberdade pessoal. Os dois saindo pra dançar na noite, quando Sailor interrompe a banda para repreender um incauto que dá em cima de Lula e, de quebra, pede o microfone para cantar “Treat me like a fool, treat me cruel, but love me”, para sua amada. Os dois parando à beira da estrada para dançar rock, e beijarem-se ao pôr-do-sol; as roupas na estrada, o acidente na madrugada, a moça desesperada - ao som de Wicked Game de Chris Isaak. O asqueroso Bobby Peru tentando perverter Lula... Alguns motivos para cultuar Coração Selvagem.

Ah, sim. Faltou um motivo – ou melhor, um adjetivo a tantos citados. Coração Selvagem é simplesmente... romântico.







sábado, fevereiro 18, 2006

Brokeback Mountain

Ang Lee não escolhe gênero nem praia: da comédia (Banquete de Casamento, 1993; Comer, Beber, Viver, 1994) ao drama de época (Razão e Sensibilidade, 1995), da conturbação familiar (Tempestade de Gelo, 1997) à guerra civil americana (Cavalgada com o Diabo, 1999), da arte marcial (O Tigre e o Dragão, 2000) à banda desenhada (Hulk,2003), o cineasta nascido em Taiwan, em 1954, imprime sua marca.
Qual seja: uma contenção de estilo prussiana. As tomadas são rigorosamente discretas, porém imbuídas de apurado senso estético. O que cria um ambiente propício ao talento dos atores aflorar. É o caso de Brokeback Mountain (2005).

Heath Ledger e Jake Gyllenhaal são Ennis Del Mar e Jack Twist. Em 1963, os dois são contratados para cuidar de um rebanho de ovelhas numa temporada nos verdejantes vales da Brokeback Mountain, no estado de Wyoming. Baseado no conto homônimo de Annie Proulx, o roteiro compreende duas décadas na vida dos protagonistas. E, já que os distribuidores pedem 'segredo', fico por aqui na 'sinopse'.

Desde já, Ledger e Gyllenhaal se inscrevem na galeria de atores que viveram paixões homossexuais: Daniel Day-Lewis e Saeed Jaffrey (Minha Adorável Lavanderia, 1985), Alfred Molina e Gary Oldman (O amor não tem sexo, 1987) e James Wilby e Hugh Grant (Maurice, 1987). Ambientados em outros lugares e momentos, os filmes de Stephen Frears e James Ivory
têm em comum com o de Lee o fato de abordarem o tema sem hipocrisia.

Michelle Williams interpreta a mulher de Ennis, e o nome da sua personagem revela aquilo que Brokeback Mountain tem de sobra: Alma.

terça-feira, fevereiro 14, 2006

Paradise Now


Como se sente um homem-bomba? Que motivos e justificativas o movem? Que rituais vive nas horas que antecedem a auto-explosão? Que jovens são estes? Fanáticos manipulados, a serviço de organizações radicais, ou cidadãos politizados, capazes de um ato de desespero e desesperança? Têm família? Amigos? Namorada? Acreditam no paraíso?

É intenção desta co-produção holandesa e palestina de 2005, com locações em Israel, faixa de Gaza e Palestina – vencedora do Globo de Ouro e concorrente ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro –, debruçar-se sobre esses delicados assuntos. Hany Abu-Assad, o realizador, estreou em 2003 com ‘Rana’s Wedding’.

Dois mecânicos da costa oeste da cidade de Nablus são voluntários para participar de uma operação de um grupo terrorista palestino. Cada um carrega no próprio corpo os explosivos, a serem detonados no meio de israelenses. Cada um leva seus próprios e especiais motivos. Cada um tem, também, suas dúvidas. Que se intensificam num deles quando uma atraente moça retorna à cidade poucos dias antes da operação.

domingo, fevereiro 12, 2006

Munique

É difícil escolher o que é melhor em Munique: o roteiro, a fotografia, a montagem, os atores, a música – ou a direção. Deixe-me reformular a frase: ir ao cinema para ver um filme de Steven Spielberg é a certeza de retorno do investimento.

O roteiro, baseado no livro “Vengeance” (1984), de George Jonas, que conta a história do grupo anti-terrorista formado em reação ao ataque que vitimou a seleção olímpica de Israel, em Munique 1972, não é maniqueísta – relata os fatos e dá humanidade àqueles que vão morrer, de ambos os lados. O autor do livro original, “Vengeance”, teve, como principal fonte, o líder do grupo anti-terror, vivido no filme por Eric Bana.
A fotografia sombria do cinegrafista Janusz Kaminski enfatiza cores neutras, dias nublados, luzes difusas, ambientes escuros e ações noturnas, conferindo um efeito estético importante à obra, em que o realismo se sobrepõe à esperança. O sol pouco brilha em Munique.
A edição alterna cenas de uma das ações terroristas mais chocantes da história – a invasão, em 1972, da vila olímpica pelo grupo terrorista palestino Setembro Negro, tomando como reféns os atletas da delegação de Israel, e seu funesto desdobramento – com a operação secreta subseqüente, organizada para eliminar os mentores e colaboradores dos terroristas. A mescla tem dupla função: dinamiza, dá agilidade à história; e, ao mostrar pontos de vista diferentes de maneira sucessiva, procura entender a polarização das verdades de cada povo.
No elenco não há rostos populares. Eric Bana (Tróia, Hulk) é a escolha certa para Avner, o agente líder da equipe que rastreia e mata as pessoas de uma lista que lhe é entregue. De compenetrada, contida, sua personagem passa a desassossegada e atormentada. Geoffrey Rush é Ephraim, a quem Avner presta contas. Destaque também para a novata Ayelet July Zurer, que interpreta Daphna, a fiel esposa de Avner.
Os não poucos momentos de tensão são sublinhados pela trilha angustiante do compositor John Williams.
Last but not least, o diretor que ‘influenciou gerações’ de espectadores e cineastas, Steven Spielberg, não aparece muito. Nascido em 1947, o tempo imprimiu ao estilo de Spielberg uma sobriedade e um recato louváveis. A variedade dos temas e a suprema habilidade de farejar uma história interessante e que vale a pena ser contada são suas marcas registradas. Decidir o ângulo e a posição da câmera? Isso já não o preocupa. Há um bom tempo ele não precisa mais chamar a atenção para si. Inventa cada vez menos, segue o roteiro à risca – e faz filmes primorosos.

sábado, fevereiro 11, 2006

Orgulho e Preconceito


A novela Pride and Prejudice, de Jane Austen, teve sua primeira edição em 1813 e, em 1940, a primeira adaptação ao cinema com Laurence Olivier e Greer Garson. A obra de Jane Austen costuma render filmes de estilo. Por sua abordagem e ambientação clássicas, e o apuro da linguagem, em 1995, Razão e Sensibilidade valeu o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado a Emma Thompson.

Entretanto, Orgulho e Preconceito (2005), filme de estreia do diretor Joe Wright, não ambiciona ser um filme de época "irretocável". O foco é no que o argumento de Jane Austen tem de atual: a vontade de cinco irmãs de acharem seus respectivos príncipes encantados. A obsessão de uma mãe em casar, de preferência com bons partidos, as cinco maravilhosas, airosas e prendadas filhas único capital da família Bennet. Por fim, o jogo de sedução entre um homem recatado (Darcy) e uma moça linda (Lizzie).

Elizabeth Bennet, a Lizzie, é a segunda das cinco filhas. É interpretada pela estrela em ascensão Keira Knightley. A atriz de 23 anos atuou, entre outros filmes, em Episódio I (1999), Piratas do Caribe (2003), Simplesmente Amor (2003) e Domino (2005). Lizzie num baile se interessa por Darcy, amigo do rico Sr. Bingley, que, por sua vez, se interessa pela mais velha das senhoritas Bennet. O aristocrata Darcy, entretanto, aparenta indiferença aos encantos de Lizzie.

O preconceito de Darcy (Matthew Macfayden) vai por água abaixo quando descobre-se perdida e desvairadamente apaixonado pela desconcertante Lizzie. Tudo complica quando, numa conversa com um amigo em comum, Lizzie descobre mais sobre a complexa personalidade de Darcy.

Sem pretensões, leve e pleno de humor, com um casting excelente, que inclui Donald Sutherland, Brenda Blythen e Judi Dench, este filme tem outro mérito: o de nos lembrar que há sentimentos mais importantes que orgulho e preconceito.